As Muitas Vidas em Uma Vida: Reflexões sobre o Tempo e a Existência
O tempo é um fluxo implacável, e tentar resistir à sua passagem é uma ilusão infantil. Para nós, humanos, a vida parece curta — a maioria chega aos 70 ou 80 anos, alguns poucos além disso. À primeira vista, pode soar como pouco, mas não é. Uma existência que ultrapassa os 60 anos é, na verdade, longa o suficiente para abrigar muitas vidas dentro de si. Raramente percebemos isso, a menos que paremos para filosofar. Cada fase da nossa jornada — infância, adolescência, juventude, vida adulta, paternidade, maturidade — é uma história completa, com suas descobertas, alegrias, dores e lições. Neste texto, exploraremos como essas "vidas" se entrelaçam em nossa existência, os desafios que enfrentamos em cada uma e a libertação que vem com a aceitação do tempo.
A Primeira Vida: Infância
A infância é uma vida única, um universo de descobertas e emoções intensas. São os primeiros passos rumo à independência, as brincadeiras no recreio, as professoras que nos marcaram, os passeios em família e as viroses que nos derrubaram. É a fase das grandes alegrias — como o primeiro amor infantil — e dos primeiros traumas que carregaremos para sempre. Nossos pais, irmãos e amigos da escola formam um mar de recordações que, ao lembrarmos, trazem nostalgia. Boas ou ruins, essas memórias são o alicerce da nossa história, um livro inteiro de momentos que nos acompanha até o fim.
A Segunda Vida: Adolescência
Então vem a adolescência, uma nova vida impulsionada pela intensidade dos hormônios. Tudo muda: o ritmo escolar acelera, as cobranças crescem, e desabrochamos para o mundo. Esportes, músicas, passeios e o primeiro amor — com suas descobertas e decepções — enchem essa fase de aventuras. Somos imperadores nessa idade, convictos de que sabemos tudo, enquanto os adultos nada entendem. As certezas são absolutas, e as memórias se acumulam em volumes. Só mais tarde caímos desse cavalo, mas a juventude deixa marcas profundas, de amigos que nem sempre ficam para a vida toda e sonhos que começam a tomar forma.
A Terceira Vida: Juventude Adulta
Sem perceber, entramos na fase adulta, a terceira vida. Ainda jovens e invencíveis, celebramos a formatura e o primeiro emprego. O mundo está aos nossos pés, mas os planos transbordam além da realidade. É uma etapa de sonhos grandiosos e pancadas duras, onde a teoria da adolescência colide com a prática da vida. Compromissos e contas se multiplicam, e, se escolhemos casar, a falta de maturidade — que só virá depois — revela o desafio de escolher um parceiro. Essa vida é lembrada por lutas, incertezas e dissabores, mas também por momentos felizes que, ao olhar para trás, muitas vezes doem.
A Quarta Vida: A Vida dos Filhos
Com a chegada dos filhos, inicia-se a quarta vida. Esses seres maravilhosos trazem felicidades imensas e preocupações sem fim. As responsabilidades nos consomem, engolindo os planos da juventude. Pagamos contas, enfrentamos casamentos mal resolvidos e aprendemos a ceder. O tempo voa nessa fase — mal percebemos a vida passar enquanto criamos nossos filhos. É um livro pesado, de capa grossa, que tendemos a guardar na estante, mas que carrega lições valiosas sobre sacrifício e amor.
A Quinta Vida: Reflexão
Os filhos crescem, os casamentos terminam — de uma forma ou de outra —, e acumulamos dores, doenças e rugas. Chegamos à quinta vida, a fase da reflexão. Olhamos para trás e percebemos que o tempo passou rápido demais. A juventude se foi, mas a mente ainda se sente nos vinte anos, enquanto o corpo denuncia a idade. Encontramos velhos amigos e nos assustamos com seus cabelos brancos, até nos vermos no espelho e encararmos a mesma verdade. É uma etapa dura: financeira e emocionalmente, ainda varremos os cacos, mas começamos a construir algo com o que sobrou. A saúde cobra seu preço, mas seguimos em frente.
A Sexta Vida: Maturidade
Após cerca de dez anos, por volta dos 60, entramos na sexta vida: a maturidade. É como um banho refrescante após um dia quente — o frescor da compreensão chega. Vemos os filhos com outros olhos, já não como peso, mas como indivíduos em suas próprias jornadas. Resolvemos o lodo do passado, peneirando experiências. Perdoar a si mesmo torna-se essencial. Foram tantas oportunidades perdidas, mágoas causadas e erros cometidos, mas, em uma tarde ensolarada, a ficha cai: fizemos o melhor com as ferramentas que tínhamos. Essa aceitação é libertadora. Fazemos as pazes com o passado para nos abrir ao futuro, diferentes de quem éramos ontem.
O Futuro
Como ainda vivo essa sexta vida, não posso escrever além — isso deixo para o futuro. O que sei é que a vida é longa, e só ao refletir sobre suas muitas fases percebemos seu valor. Cada vida dentro da nossa existência nos molda, nos desafia e nos prepara para o que virá.
Conclusão
A vida, com suas múltiplas facetas, é uma jornada rica e complexa. Da infância à maturidade, passamos por várias "vidas", cada uma com suas histórias, aprendizados e cicatrizes. Lutar contra o tempo é inútil; abraçá-lo, porém, nos permite dar significado ao que vivemos. Só ao olhar para trás e perdoar nossos erros — entendendo que fizemos o possível com o que sabíamos — encontramos paz para seguir adiante. A única falha imperdoável seria desistir de viver. Que possamos, então, valorizar cada capítulo e nos preparar para os próximos, carregando a certeza de que, sim, a vida é longa o suficiente para muitas vidas.


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